sexta-feira, 17 de março de 2017
P. 44 Uma Revolução no Campo
UMA REVOLUÇÃO NO CAMPO
AINDA É FORTE no Brasil a crença de que a indústria representa a fonte básica do desenvolvimento, de inovações e de geração de empregos de melhor qualidade e renda. Essa é a visão de uma época, particularmente do século XX, em que países menos desenvolvidos se industrializavam copiando tecnologia das nações desenvolvidas. Essa visão orientou estratégias de industrialização por substituição de importações e forte dirigismo estatal no Brasil. O modelo se esgotou nos anos 1980 sob o peso de suas ineficiências. Faltaram-lhe incentivos à inovação e mecanismos de avaliação de resultados.
Surgiram outras fontes de dinamismo. No mundo, a globalização, a tecnologia, a integração das cadeias produtivas e a terceirização contribuíram decisivamente para fomentar a produtividade e o crescimento econômico. A indústria continuou relevante, é verdade, mas perdeu a participação no PIB, como nos Estados Unidos (12,4%), onde mesmo assim a economia se manteve sólida e em expansão.
A agricultura foi a prima pobre da estratégia brasileira, principalmente por causa valorização cambial. A indústria podia importar insumos e equipamentos mais baratos, mas isso equivalia a uma tributação na agricultura, que receberia menos por suas exportações de café e açúcar. Além disso, a agricultura prejudicada pelo controle de seus preços, para combater a inflação.
As perdas eram compensadas com crédito subsidiado do Banco do Brasil e do Banco Central, que prevalecia como forma de apoio ao setor rural. Isso obscureceu o papel de políticas mais adequadas, como as de inovação e renda. O esquema faliu nos anos 1980, acarretando a quase extinção do subsídio. Nada surgiu em seu lugar. Ironicamente, foi uma benção.
A agricultura, agora entendida como agronegócio, iria superar o desafio de viabilizar-se sem o crédito subsidiado generoso. Talvez sem paralelo no mundo, tornou-se pouco ou nada dependente de subvenções e protecionismo. Sua competitividade viria da tecnologia, do empreendedorismo e do enorme potencial dos cerrados e de outras regiões. A Embrapa (1973) e outras organizações públicas e privadas de pesquisa viraram fonte poderosa de inovação e de ganhos de produtividade. Desde 1975, a área de grãos dobrou, enquanto a produção quadruplicou. O preço dos alimentos caiu 80%. O Brasil é um dos cinco maiores produtores de 36 commodities e o primeiro nas exportações de soja, açúcar, café, frango, carne e suco de laranja. O agronegócio é intenso usuário de tecnologia digital e de satélites, ombreando-se com países ricos.
O agronegócio está na base da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Está nos biocombustíveis, na energia elétrica, na eliminação do desmatamento ilegal, na restauração florestal e na recuperação das áreas degradadas de pastagens, para citar as principais. O setor contribui na formulação dos compromissos do Brasil para o acordo sobre o clima (a COP 21 de Paris). Isso significa que as emissões serão 37% inferiores às de 2005 (43% em 2030). Aumentará a participação em bioenergia sustentável na matriz energética. O consumo de biocombustíveis passará dos atuais 28 bilhões para 50 bilhões de litros em 2030. A biomassa contribuirá para o maior uso de fontes de energia não fósseis. Os investimentos na ampliação da oferta de etanol atingirão 40 bilhões de dólares. Surgirão 250.000 empregos diretos e 500.000 indiretos.
O Brasil revolucionou a agricultura tropical. Uma das melhores análises desse feito é a de Fabio Chaddad (1969-2016) no livro The Economics and Organization of Brazilian Agriculture (Elsevier, 2016), do qual extraí muito das informações deste artigo.
O agronegócio ainda enfrenta muitas dificuldades: logística deficiente, sistema tributário caótico, restrições infantis à terceirização e custos de uma política de reforma agrária do século XIX. Superar tudo isso e essencial. O setor poderá, assim, ampliar sua contribuição para a prosperidade do país.
Maílson da Nóbrega - revista veja - 2017.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2017
P. 43 Futuro Escorregadio
FUTURO ESCORREGADIO
A ordem mundial se desenhará em 2017 como resultado de vários tabuleiros regionais de poder, com os EUA e a China em patamar superior. Melhor seria qualifica-la como desordem mundial.
O DESAFIO E A BELEZA da história não transcorrida estão no fato de que ela se abre a muitas alternativas e frequentemente o provável se mostra ilusório, o que pareceria bom termina mal e o mal nem sempre é tão grande quanto se imaginava que fosse. É melhor, contudo, ter a ilusão de que é possível vislumbrar algo do futuro para construir no presente as vias que podem levar até ele.
O ano de 2016 termina com nuvens mais carregadas do que as herdadas de 2015. Com o fim da Guerra Fria, especialmente depois da queda do Muro de Berlim, Estados Unidos e China começaram a dialogar. Do mesmo modo, a Europa foi-se integrando politicamente, e a Rússia, sem se conformar, parecia "contida". Tinha-se a impressão de que os conflitos bélicos seriam localizados. Assim seria a tensão entre Israel e seus vizinhos, da Índia com o Paquistão, ou as alterações entre as Coreias e as da China com o Japão. E não se tinha tanta consciência dos estragos que a invasão do Iraque ocasionara no equilíbrio do Oriente Médio.
Havia o terrorismo, mas o Ocidente queria acreditar que o Boko Haram matava africanos e não ocidentais, que xiitas e sunitas se destruíam entre si, e assim por diante, sem abalar a confiança em que os conflitos entre as grandes potências não ocorreriam no pós-II Guerra Mundial: a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, sepultara essa possibilidade. Depois dos ataques ao Charlie Hebdo e ao Bataclan, em 2015 em Paris, e de outros atentado sem locais simbólicos para o Ocidente, este se recordou das torres gêmeas de Nova York e foi obrigado a reconhecer a ameaça terrorista e a fragilidade da proteção que os Estados Unidos oferecem a seus cidadãos.
O ano de 2016 desnudou possibilidades de conflitos de outro tipo, que mexem com os "grandes", com suas armas atômicas. Não que conflitos globais estejam na iminência de ocorrer, mas 2016 termina com a Rússia inconformada com seu pedaço na Eurásia (mais ainda com a insensatez de não a terem levado a sério como parceira do Ocidente), com a China sentindo-se forte o suficiente para dizer que sua ascensão ao poder mundial poderá fazer-se "de maneira harmoniosa", que não a temam, mas não a impeçam de ser dona de "seu mar", nem de voltar-se para Europa, muito especialmente para Rússia, na busca de rotas seguras de abastecimento energético, livrando-se das incógnitas do Pacífico e da "entente" necessária com os americanos. A Rússia rejeitou acordos balísticos, inclusive atômicos, e a Coreia do Norte explodiu novas bombas. Sobra dizer que a Índia e Paquistão, contendores antigos, permanecem com seu arsenal atômico intocado, o da China foi aperfeiçoado, e por aí vai.
Para completar o lado desagradável da herança que 2017 receberá, os americanos elegeram um líder que é a favor de os Estados Unidos se afastarem das suas responsabilidades mundiais.
Houve avanços, é certo, na questão da mudança climática. O Acordo de Paris, visando à redução dos gases de efeito estufa, dá sinal de esperança. A tragédia das guerras do Oriente Médio e o permanente desalento de grande parte das populações africanas desencadearam grandes fluxos migratórios. A despeito dos horrores desses episódios, as Nações Unidas e alguns países (destaque para Alemanha) estão se mobilizando para aliviar o sofrimento de milhões de refugiados.
Diante desse quadro, é de imaginar que no próximo ano se tentem acomodações na ordem global. Ainda que os Estados Unidos, militar e economicamente, continuem a ser a maior potência mundial, sua hegemonia global está abalada. A China disputa o pódio, e o jogo que se dá no Oriente Médio, mais especificamente na Síria, expõe a emergência de atores regionais de peso (Irã e Turquia) e deixa entrever a forte presença da Rússia na área. A Europa pós-Brexit é uma incógnita. A Arábia Saudita, acima dos conflitos entre xiitas e sunitas, começa a se preocupar com a diminuição de sua área de influência e mostra disposição bélica no Iêmen. Resumindo: a ordem mundial, em vez de consolidar como um disfarce do poder americano, provavelmente se desenhará em 2017 como resultado de vários tabuleiros regionais de poder, com os Estados Unidos e a China em patamar superior. Melhor seria qualificá-la como desordem mundial.
Há incerteza nas relações comerciais e econômicas. O mundo globalizado conseguiu ultrapassar a crise financeira de 2007/2008. O tempo revelou, no entanto, que a economia do conhecimento e das novas tecnologias eleva exponencialmente a acumulação de capitais, mas está longe de gerar empregos na proporção requerida pela população mundial, que continua crescendo. A globalização reduziu a pobreza absoluta em proporção considerável, embora tenha aumentado a diferença entre os que muito tem e os que quase nada ganham. Martin Wolf, em seus agudos comentários no Financial Times, assim como Thomas Piketty em seu rumoroso livro O Capital no Século XXI, vem alertando para esses problemas, sem soluções à vista. Se, como alguns predizem, o ritmo das inovações diminuir e a demografia continuar a pressionar, as economias crescerão pouco e os problemas sociais ficarão mais severos. (...)
Parte do artigo: FUTURO ESCORREGADIO na revista VEJA - Fernando Henrique Cardoso.
A ordem mundial se desenhará em 2017 como resultado de vários tabuleiros regionais de poder, com os EUA e a China em patamar superior. Melhor seria qualifica-la como desordem mundial.
O DESAFIO E A BELEZA da história não transcorrida estão no fato de que ela se abre a muitas alternativas e frequentemente o provável se mostra ilusório, o que pareceria bom termina mal e o mal nem sempre é tão grande quanto se imaginava que fosse. É melhor, contudo, ter a ilusão de que é possível vislumbrar algo do futuro para construir no presente as vias que podem levar até ele.
O ano de 2016 termina com nuvens mais carregadas do que as herdadas de 2015. Com o fim da Guerra Fria, especialmente depois da queda do Muro de Berlim, Estados Unidos e China começaram a dialogar. Do mesmo modo, a Europa foi-se integrando politicamente, e a Rússia, sem se conformar, parecia "contida". Tinha-se a impressão de que os conflitos bélicos seriam localizados. Assim seria a tensão entre Israel e seus vizinhos, da Índia com o Paquistão, ou as alterações entre as Coreias e as da China com o Japão. E não se tinha tanta consciência dos estragos que a invasão do Iraque ocasionara no equilíbrio do Oriente Médio.
Havia o terrorismo, mas o Ocidente queria acreditar que o Boko Haram matava africanos e não ocidentais, que xiitas e sunitas se destruíam entre si, e assim por diante, sem abalar a confiança em que os conflitos entre as grandes potências não ocorreriam no pós-II Guerra Mundial: a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, sepultara essa possibilidade. Depois dos ataques ao Charlie Hebdo e ao Bataclan, em 2015 em Paris, e de outros atentado sem locais simbólicos para o Ocidente, este se recordou das torres gêmeas de Nova York e foi obrigado a reconhecer a ameaça terrorista e a fragilidade da proteção que os Estados Unidos oferecem a seus cidadãos.
O ano de 2016 desnudou possibilidades de conflitos de outro tipo, que mexem com os "grandes", com suas armas atômicas. Não que conflitos globais estejam na iminência de ocorrer, mas 2016 termina com a Rússia inconformada com seu pedaço na Eurásia (mais ainda com a insensatez de não a terem levado a sério como parceira do Ocidente), com a China sentindo-se forte o suficiente para dizer que sua ascensão ao poder mundial poderá fazer-se "de maneira harmoniosa", que não a temam, mas não a impeçam de ser dona de "seu mar", nem de voltar-se para Europa, muito especialmente para Rússia, na busca de rotas seguras de abastecimento energético, livrando-se das incógnitas do Pacífico e da "entente" necessária com os americanos. A Rússia rejeitou acordos balísticos, inclusive atômicos, e a Coreia do Norte explodiu novas bombas. Sobra dizer que a Índia e Paquistão, contendores antigos, permanecem com seu arsenal atômico intocado, o da China foi aperfeiçoado, e por aí vai.
Para completar o lado desagradável da herança que 2017 receberá, os americanos elegeram um líder que é a favor de os Estados Unidos se afastarem das suas responsabilidades mundiais.
Houve avanços, é certo, na questão da mudança climática. O Acordo de Paris, visando à redução dos gases de efeito estufa, dá sinal de esperança. A tragédia das guerras do Oriente Médio e o permanente desalento de grande parte das populações africanas desencadearam grandes fluxos migratórios. A despeito dos horrores desses episódios, as Nações Unidas e alguns países (destaque para Alemanha) estão se mobilizando para aliviar o sofrimento de milhões de refugiados.
Diante desse quadro, é de imaginar que no próximo ano se tentem acomodações na ordem global. Ainda que os Estados Unidos, militar e economicamente, continuem a ser a maior potência mundial, sua hegemonia global está abalada. A China disputa o pódio, e o jogo que se dá no Oriente Médio, mais especificamente na Síria, expõe a emergência de atores regionais de peso (Irã e Turquia) e deixa entrever a forte presença da Rússia na área. A Europa pós-Brexit é uma incógnita. A Arábia Saudita, acima dos conflitos entre xiitas e sunitas, começa a se preocupar com a diminuição de sua área de influência e mostra disposição bélica no Iêmen. Resumindo: a ordem mundial, em vez de consolidar como um disfarce do poder americano, provavelmente se desenhará em 2017 como resultado de vários tabuleiros regionais de poder, com os Estados Unidos e a China em patamar superior. Melhor seria qualificá-la como desordem mundial.
Há incerteza nas relações comerciais e econômicas. O mundo globalizado conseguiu ultrapassar a crise financeira de 2007/2008. O tempo revelou, no entanto, que a economia do conhecimento e das novas tecnologias eleva exponencialmente a acumulação de capitais, mas está longe de gerar empregos na proporção requerida pela população mundial, que continua crescendo. A globalização reduziu a pobreza absoluta em proporção considerável, embora tenha aumentado a diferença entre os que muito tem e os que quase nada ganham. Martin Wolf, em seus agudos comentários no Financial Times, assim como Thomas Piketty em seu rumoroso livro O Capital no Século XXI, vem alertando para esses problemas, sem soluções à vista. Se, como alguns predizem, o ritmo das inovações diminuir e a demografia continuar a pressionar, as economias crescerão pouco e os problemas sociais ficarão mais severos. (...)
Parte do artigo: FUTURO ESCORREGADIO na revista VEJA - Fernando Henrique Cardoso.
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