domingo, 30 de março de 2014

P.32 O golpe

O golpe

  São vivas minhas lembranças da quartelada de 1964. Jânio Quadros, em agosto de 1961, havia renunciado à Presidência da República. Jango, seu vice, tomou posse. O Brasil clamava por reformas de base: agrária, política, tributária, etc. No Rio Grande do Sul, Leonel Brizola advertia sobre uma perigo de um golpe de Estado. Em Pernambuco, Miguel Arraes contrariava usineiros e latifundiários e imprimia a seu governo um caráter popular.
  O MEB (Movimento de Educação de Base) dava os primeiros passos apoiado pela ala progressiva da Igreja Católica. A União Nacional dos Estudantes multiplicava, por todo o país, os Centros Populares de Cultura.
  Era preciso dar um basta à influência comunista. E tudo que não coincidia com os interesses dos Estados Unidos era tachado de "comunista", até mesmo bispos como Dom Elder Câmara, que clamava por um mundo sem fome. Foi apelidado  de "o bispo vermelho".
  Trouxeram dos Estados Unidos o padre Peyton, o pároco de Hollywood. De rosário em mãos e bancado pela CIA, ele arrastava multidões nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade.
  A 13 de março de 1964, Jango fez um megacomício na Central do Brasil, no Rio. Ali, ovacionado pela multidão, assinou os decretos de apropriação, pela Petrobras, de refinarias privadas, e desapropriação, para fins de reforma agrária, de terras subutilizadas. As elites brasileiras entraram em pânico.
  Em 31 de março, terça feira, as tropas do general Olympio Moura Filho, oriundas de Minas Gerais, ocuparam os pontos estratégicos do Rio. Jango, deposto da Presidência, refugiou-se no Uruguai. A 11 de abril, o Congresso Nacional elegeu o Marechal Castelo Branco presidente da república. Estava consolidado o golpe.
  A máquina repressiva começou a todo vapor: Inquéritos Policiais-Militares foram instalados em todo o país; a cassação de direitos políticos atingiu sindicalistas, deputados, senadores e governadores; uma simples suspeita ecoava como denúncia e servia de motivo para um cidadão ser preso, torturado e mesmo assassinado.
  Muitos são os sinais de que se vivia sob uma ditadura. Este foi insólito: há no Centro do Rio uma região conhecida como Castelo. E, na Zona Norte, um bairro chamado Muda. No letreiro de uma linha de ônibus carioca a indicação: Muda-Castelo. Os milicos não gostaram: o marechal viera para ficar. Pressionada, a empresa inverteu o letreiro: Castelo-Muda. Ficou pior. Cancelaram a linha...
                   Jornal O dia, 30-03-2014. Artigo de Frei Betto (papo-cabeça).