terça-feira, 9 de julho de 2013

P.30 Capitalismo: êxito ou fracasso?













Capitalismo: êxito ou fracasso?
"Os governos aprenderam a construir instituições que lidam com os excessos do capitalismo e asseguram a melhor distribuição da riqueza. Na época de Adam Smith, 90% dos europeus ocidentais eram pobres. Atualmente, são apenas 10%"


  O capitalismo é a forma natural e mais bem sucedida de organização econômica desde a Antiguidade. Inexiste substituto melhor. Frei Betto, porém, não pensa assim. Ele duvida do êxito do capitalismo. Em entrevista à Rádio CBN (15/06/2013). disse: "Enquanto o Evangelho prega a solidariedade, o capitalismo prega a competitividade" (ele quis dizer competição, concorrência). "Enquanto nós cristãos pregamoslei que o ser humano tem de estar acima de tudo, com seus direitos preservados, ele prega que a prioridade reside no capital" (não há prova dessa afirmação). Sua conclusão: "O capitalismo é bom para apenas um terço da humanidade. Todo o mundo fala no fracasso do socialismo. Engraçado, ninguém fala do fracasso do capitalismo para dois terços da humanidade".
  Segundo Max Weber (1864-1920), o capitalismo sempre existiu nos países civilizados. Haviam empresas capitalistas "na China, na Índia, na Babilônia, no Egito, na Antiguidade Mediterrânea e na Idade Média, tanto como na Idade moderna". Imagino que os vendilhões que Cristo expulsou do Templo (Mateus 21:12) praticavam um capitalismo primitivo.
  O capitalismo moderno surgiu na Europa entre os séculos XVIII e XIX. Derivou de longa obra institucional, da qual se destacavam dois eventos na Inglaterra: a Carta Magna (1215) e a Revolução Gloriosa (1688), que eliminaram o absolutismo. A supremacia do poder foi transferida para o Parlamento. O rei perdeu a prerrogativa de demitir juízes e de gastar seu bel-prazer. O judiciário independente passou a garantir direitos de propriedade e respeito a contratos. A ordem capitalista começou a emergir da segurança jurídica. Nasceu a lei de patentes (1624), a propriedade, antes restrita aos bens físicos (finitos), se estendeu às inovações (infinitas). Graças à criação do Banco da Inglaterra (1694), a taxa de juros caiu, e surgiu um amplo mercado de crédito para empresas. A inovação e o empreendedorismo explodiram, desaguando na Revolução Industrial.
  Adam Smith (1723-1790) realçou o papel do mercado na prosperidade. Sua obra A Riqueza das Nações (1776) é um portento filosófico que realça as liberdades individuais e destaca a divisão do mercado, a concorrência e a produtividade como motores da expansão econômica e da geração de riqueza. Depois, a pesquisa e o ensino ampliaram o conhecimento sobre o funcionamento da economia. Os governos aprenderam a construir instituições que lidam com os excessos do capitalismo e asseguram a melhor distribuição da riqueza gerada pelo mercado. Na época de Smith, 90% dos europeus ocidentais eram pobres. atualmente, apenas 10%. Foi a maior revolução social da história até então. A partir de 1978, com o primeiro-ministro Deng Xiaoping (1904-1997), a China protagonizaria outra revolução, mais rápida. Quando as reformas de Deng reinstituíram o capitalismo, a renda per capita era um terço da prevalecente na   África subsaariana. Em três décadas, a China passaria a país de renda média, retirando da pobreza mais de meio bilhão de pessoas.
  O capitalismo é um gigantesco processo de coordenação de expectativas e cooperação entre indivíduos, empresas e governo. Não depende de um comando central como no socialismo. Ao contrário deste, incentiva a criatividade, a inovação, o avanço tecnológico e, em última instância, a criação de riqueza.
  O capitalismo não é perfeito. Crises financeiras e de outra natureza provocam recessões que prejudicam a economia e o bem-estar. Sua vantagem é aprender com elas, renovar-se, e promover mudanças que previnem a repetição de erros e suscitam a recuperação. No socialismo não há tais crises, mas o regime fracassou. A União Soviética morreu. As crises do capitalismo tampouco ocorrem em Cuba e na Coréia do Norte, os sobreviventes, pois não têm sistema financeiro. Lá, o socialismo legou uma economia decadente e igualitária na pobreza.
  Hoje, a pobreza se concentra nos países que não construíram instituições propícias ao florescimento do capitalismo. Eles constituem a maior parte dos dois terços citados por Frei Betto. Se um dia se transformarem, o capitalismo também lhes trará o êxito. O fracasso ficará para trás.
                                       Maílson da Nóbrega, economista - Revista Veja: edição 2329-ano 46-nº 28-10 de julho de 2013.